I
Ó mar salgado, quanto do teu sal
são lágrimas de Guiné-Bissau!
As tristezas, as misérias, o horror
ainda não indenizados,
perpetrados por malditos reis,
brancos, pretos, pardos.
Sequestrados de língua, história, paisagem,
fé, poemas, vizinhos, idades,
santos, deuses, entidades –
povos roubados em seus séculos de
digno viver e majestade.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
são lágrimas de Guiné-Bissau!
Pasme,
agora a senzala
tem televisão de plasma
e o instrumento de bater
virou momento de lazer.
Não acham que diante dos cachos
a escaldante chapinha é descendente
da tortura e esculacho do corpo escravizado
do terror do ferro incandescente?
Os filhos primogênitos
da mãe ciumenta, da mãe com tranças
amazônicas nos cabelos, dos filhos
exímios na palavra, na crença, na dança,
povo de aliança íntima com a terra,
povo com o poder de polvilhar o céu
de fogo, cometas, raios, poeiras.
– A dançarina metamorfoseia o calcanhar
em bico de papagaio no jogo da capoeira.
III
Porque dançar as músicas daqueles que assassinamos?
– Ou será que eles é que agora dançam seus amos?
IV
O padre, o físico e o intelectual decretam:
– O preto é a ausência de luz.
Ao que o poeta responde:
com todas as cores misturadas
é que aparece a cor preta,
todas mesmo, até aquelas
hoje apenas imaginadas.
O prisma preto no som é mistura de vozes
de criança, mulher e homem,
que vibram o chocalho místico na cintura
e no passo rápido da ciranda,
ao som do timbre rouco do saxofone
e dos decibéis sincopados do jazz.
Um amigo me diz:
– Preto é cor de luto,
pelas lutas passadas,
pelas lutas por vir,
luto!
E sendo o preto mistura de cor,
é também de todos os povos que resistem
aos poderes do branco apagador,
onde for, em casa, na esquina,
seja ali na favela do Haiti,
seja lá no quilombo árabe de Gaza,
na Palestina.
V
Um velho bem intencionado disse
que o sangue de todos é vermelho.
A alma, se tem cor, deve,
sendo imortal e primeira, ser preta.
Mas destas questões alquímicas,
a única diferença química que me interessa
eu aprendi cedo com uma menina:
o nome da substância que enche de mel a pele
é melanina.
(Tomaz Amorim Izabel)
Poema de Tomaz Amorim Izabel publicado em tomazizabel.
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