Hilda Hilst foi uma poetisa, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira. A artista nasceu em Jaú, interior de São Paulo, em 1930, e faleceu em Campinas, aos 74 anos. Hilda é considerada, pela crítica especializada, a melhor escritora em língua portuguesa do século XX.
Nos últimos anos de sua vida, Hilda passou por dificuldade financeira. O compositor Zeca Baleiro musicou alguns de seus trabalhos e convenceu diversos artistas a gravarem em solidariedade à Hilda. Disso resultou o trabalho Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé (relembre aqui). O blog Literatura Brasileira também já publicou os belíssimos poemas de Hilda: Que este amor não me cegue e não me siga (relembre aqui ) e Aflição de ser eu e não ser outra (relembre aqui).
Hilda Hilst também deixou trabalhos que chocaram o público da época devido ao seu apelo erótico (por exemplo, A Obscena Senhora D). Com frases provocativas e marcantes, como: Que amor é esse que empurra a cabeça do outro na privada e deixa a salvo pela eternidade sua própria cabeça?
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Lendo a Revista de História da Biblioteca Nacional número 99, encontrei a transcrição de um texto erótico atribuído a Hilda Hilst e comentado pelo professor Alcir Péroca. Compartilho o texto na íntegra:
Isabô: Ai, Berta, tô mar… tive uns presságio…Vi uma véia tão véia coçando oiti na esquina.
Berta: Iii, Isabô, essas coisas de coçá o oiti se chama prurido senir… daqui pra poco nóis tá iguarzinha. Te lembra do tio Ledisberto? Mandava a Eufrasina fica fazendo cafuné nos cabinho do cu dele.
Isabô: Credo, Vige Maria, Berta! Meu tio, hein,… imagine…gente de bem. Tu é que coçava os bagos dos menininho e tirava os ranho dos buracos do nariz e enfiava na boca da Dita, coitadinha, aquele neguinha fedida que era tua prima.
Berta: Iii, Isabô, tu tá tão porca que tá parecendo aquela véinha curta da Hirda, como é que é mesmo?, a Hirste.
Isabô: Iii, essa véia é safada. Porca, porca, mesmo curta. Imagine só que gente mora nesse país.
Berta: Até o presidente, que tem curtura mesmo, dá dedo, assim ó, e diz que tem os cuião roxo.
Isabô: Berta, eu adoro roxo. Te lembra do Zequinha? Menina, que home. Quando ele metia, eu via tudo roxo, lilás, bordô.
Isabô: Bordô o que qui é, hein Berta? É cor de jaboticaba, é?
Berta: Tu é ignorante, imagine, bordô é… Ah, num sei explicá, é uma cor muito bonita.
Isabô: É cor de xereca de vaca?
Berta: Ih…, boba, xereca de vaca é vermeia.
Isabô: Tá mais pra cu de boi?
Berta: Tu só pensa nas partes de baixo. Bordô é a cor dos óio da Zezé Cabrita.
Isabô: … num me fala nela, ela me tirô o Tonho de mim.
Berta: Bordô é cor bonita. Tudo que é bonito é bordô.
Batem na porta. É Seo Quietinho.
Berta: Quem é, meu deus? (Olha pela janela) Ai, Vige Maria, é o Quietinho, tá loco pra fazê aquelas coisas com a gente.
Isabô: Que coisa tu qué dizê, hein?
Berta: Aquilo que tu fazia com o Tonho.
Isabô: Mardita! Num faço isso há mais de trinta ano.
Batem outra vez.
Seo Quietinho: Ô de casa! Tu tá aí, Berta? Tu tá aí, Isabô?
Berta: Tamo não, Quietinho. Hoje num é dia. Numa é dia de nada.
Seo Quietinho: Por quê?
Isabô: É dia de Santa Apolônia que protege os dente.
Seo Quietinho: Mas eu vim aqui pra isso mesmo, pois vocês num têm dente… é pra chupá mió.
Berta: Aiiiiii, num fala assim nas porta da rua!
Isabô: Abre logo, que a vila intera vai sabê dessas luxúria.
Abrem. Entra Quietinho.
Seo Quietinho: Óia cumé qui eu já tô.
Berta: Hoje num quero. Acabei de bochechá.
Isabô: Ah…, eu quero. Óia como eu tô arrepiada.
O comentarista Alcir Pécora é professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e organizador das obras completas de Hilda Hilst. Ele não duvida que o texto seja autêntico. Segundo o professor, era comum que Hilda escrevesse pequenos textos assim, quando recebia visitas e pedisse ajuda e sugestão das visitas, desse modo, ela entretinha todos os convidados com risos e gargalhadas. Ela também costumava dizer que o sexo oral perfeito só poderia ser feito por uma mulher sem dentes (ou seja, ela estava militando em causa própria).
Alcir também destaca o lado político do texto (o presidente do “cuião roxo” era Fernando Collor de Mello) e a denúncia a hipocrisia social (da porta para fora, ninguém pode ficar sabendo, mas dá porta para dentro, está tudo bem).
O aspecto mais revelador do texto, segundo Alcir, é o nome das protagonistas (Berta e Isabô). Elas podem vir de dois clássicos romances góticos ingleses. Isabô pode ser uma alusão à Isabella Liton de O morro dos ventos uivantes (1847) de Emily Brontë e Berta pode vir de Bertha Manson, personagem do livro Jane Eyre (1847) de Charlotte Brontë (irmã de Emily). Duas personagens estranhas ao encontro do verdadeiro amor.
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O único quadro das três irmãs Brontë (as escritoras Charlotte, Emily e Anne) que não é alvo de disputas judiciais. Pintado por seu irmão Brandwell Brontë em 1834.
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Nas palavras de Pécora: Pode-se argumentar, com razão, que disso não se ri. E está aí justamente o segredo da graça que se explora no trecho: aplicar os nomes dessas personagens de romances góticos, usualmente pensados como românticos, misteriosos e sofisticados, à dupla de roceiras maledicentes e sem atrativos. O violento contraponto dos registros produz o ridículo e o cômico da incongruência
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O que vocês acharam do texto?
(Este texto é de autoria e responsabilidade do blog 600livros.)
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