Conheça um pouco da história do poema Poema Sujo de Ferreira Gullar. Neste vídeo, o autor conta como escreveu o poema, enquanto estava exilado durante a ditadura militar e como o poema o ajudou a retornar ao Brasil.
Sentia-me dentro de um cerco que se fechava. Decidi, então, escrever um poema que fosse o meu testemunho final, antes que me calassem para sempre.
— Ferreira Gullar
A seguir um Trecho do Poema
Poema Sujo (Ferreira Gullar)
Introduzo na poesia
A palavra diarréia.
Não pela palavra fria
Mas pelo que ela semeia.
Quem fala em flor não diz tudo.
Quem me fala em dor diz demais.
O poeta se torna mudo
sem as palavras reais.
No dicionário a palavra
é mera idéia abstrata.
Mais que palavra, diarréia
é arma que fere e mata.
Que mata mais do que faca,
mais que bala de fuzil,
homem, mulher e criança
no interior do Brasil.
Por exemplo, a diarréia,
no Rio Grande do Norte,
de cem crianças que nascem,
setenta e seis leva á morte.
É como uma bomba D
que explode dentro do homem
quando se dispara, lenta,
a espoleta da fome.
É uma bomba-relógio
(o relógio é o coração)
que enquanto o homem trabalha
vai preparando a explosão.
Bomba colocada nele
muito antes dele nascer;
que quando a vida desperta
nele, começa a bater.
Bomba colocada nele
Pelos séculos de fome
e que explode em diarréia
no corpo de quem não come.
Não é uma bomba limpa:
é uma bomba suja e mansa
que elimina sem barulho
vários milhões de crianças.
[...]
Deixe um comentário