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Livro Cancioneiro da Editora L&PM |
Cancioneiro é uma coletânea de poemas de Fernando Pessoa (1888-1935), os poemas reunidos foram originalmente publicados esparsamente em periódicos e organizados por Jane Tutikian. Em vida, Fernando Pessoa publicou apenas cinco livros1, um em português — Mensagem (1934) — e os restantes em inglês. No entanto, sua obra é muito extensa, indo muito alem dos livros publicados. Ele publicava regularmente o seu trabalho em revistas e teve vários poemas inéditos publicados postumamente. Ele deixou mais de 25 mil folhas com texto que são espólio à guarda da Biblioteca Nacional de Portugal.2
A característica principal da obra de Fernando Pessoa é a tentativa de olhar o mundo de uma forma múltipla, ele foi vários poetas ao mesmo tempo, ele criou vários heterônimos. Seus heterônimos tinham personalidades próprias, os mais conhecidos são Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Em Cancioneiro constam poemas assinados por Fernando Pessoa com seu próprio nome.
Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. — Em Carta a Adolfo Casais Monteiro3, 13 de janeiro de 1935
A palavra cancioneiro é o nome dado ao conjunto de poesias líricas medievais, portuguesas ou espanholas, fortemente ligadas à música, ao canto e à dança. As poesias reunidas no livro Cancioneiro estão ligadas à tradição lírica portuguesa, e apresentam forte musicalidade.
Leia a seguir alguns poemas selecionados de Cancioneiro:
Assim, sem nada feito e o por fazer
Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.
Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.
Tênue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.
Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.
Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!Cansa Sentir Quando se Pensa
Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.
Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.
Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.
(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo —
Ah, nada é isto, nada é assim!)Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
— Fernando Pessoa
Referências
- Livros de Fernando Pessoa publicados em vida.
casafernandopessoa.pt/pt/fernando-pessoa/obra/fernando-pessoa - Casa Fernando Pessoa.
casafernandopessoa.pt/pt/fernando-pessoa/obra - Carta a Adolfo Casais Monteiro.
casafernandopessoa.pt/pt/fernando-pessoa/textos/heteronimia
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