O Ateneu é o romance mais conhecido do escritor Raul Pompeia (1863-1895). É uma prosa poética, contada em primeira pessoa pelo personagem Sérgio, sobre sua a traumática formação dentro de um internato privado no Rio de Janeiro (o Ateneu).A sociedade da época reprimia afetividade e ternura dos homens (não tão distante dos dias atuais) de forma que as relações entre homens e mulheres e mesmo as relações entre homens era bastante prejudicada. Se de algum modo o homem vivenciar ternura por outro homem, o mesmo será então tachado de homossexual, ”mariquinhas”. O que, na época, era uma grande desonra pública.
Em o Ateneu, Sérgio descreve o amigo Egbert com bastante afetividade, de uma maneira fraternal. Como ilustrado no seguinte trecho do livro:
Egbert merecia-me ternuras de irmão mais velho. Tinha o rosto irregular, parecia-me formoso. De origem inglesa, tinha os cabelos castanhos entremeados de louro, uma alteração exótica na pronúncia, olhos azuis de estrias cinzentas, oblíquos, pálpebras negligentes, quase a fechar, que se rasgavam, entretanto, a momentos de conversa, em desenho gracioso e largo. Vizinhos ao dormitório, eu, deitado, esperava que ele dormisse para vê-lo dormir e acordava mais cedo para vê-lo acordar. Tudo que nos pertencia, era comum. Eu por mim positivamente adorava-o e o julgava perfeito. Era elegante, destro, trabalhador, generoso. Eu admirava-o, desde o coração, até a cor da pele e à correção das formas.
A obra foi publicada no jornal “Gazeta de Notícias” em 1888. Raul Pompeia foi um jornalista político defensor das causas abolicionista e republicana. Envolveu-se em várias disputas políticas e viu sua obra voltar-se contra ele mesmo pelas suspeitas sobre sua sexualidade. Em O Ateneu, Sérgio é o narrador e também personagem principal. Sérgio adulto conta as suas memórias de criança. O tom bibliográfico da obra e semelhancas entra a história de Sérgio e a vida do autor, como o fato de também ter estudado em um colégio interno, levou à criticas e suspeitas de que ele retratava sua própria biografia. Raul Pompeia suicidou-se em 1895.
— Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. — Coragem para a luta. Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico; diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam. Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo – a paisagem é a mesma de cada lado, beirando a estrada da vida.
Eu tinha onze anos.
In O Ateneu de Raul Pompéia.
O livro encontra-se disponível para download no Portal Domínio Público.
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Referências
- Portal Domínio Publico. www.dominiopublico.gov.br
- Richard Miskolci; Fernando de Figueiredo Balieiro. O drama público de Raul Pompeia: sexualidade e política no Brasil finissecular. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 75, p. 73-88, 2011.
- Fernando de Moraes Gebra et al. Homoafetividade e homossexualidade em O Ateneu, de Raul Pompéia. Revista Decifrar. v. 01, n. 02, p. 16-28, 2013.
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